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BVS Adolec Brasil

Programa Classe Hospitalar: união da pedagogia com a saúde em prol de crianças e adolescentes

Por Felipe Jannuzzi*

Aprendizado em uma rua de duas mãos: profissionais mantendo, permanentemente, um olhar de saúde e não reduzindo o sujeito à doença, acolhendo crianças em um momento de estreitamento da vida; e estas crianças, com sabedoria e potencialidades inerentes, igualmente acolhendo e gerando preciosas lições aos profissionais. Tudo isso norteado pelo conceito de humanização do Sistema Único de Saúde (SUS). Estamos falando do Programa Classe Hospitalar, que vem reconstruindo esperanças e transformando a rotina de crianças e jovens pacientes internados em muitos hospitais do país, inclusive no Hospital Municipal Jesus, no bairro de Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro.

A principal lição extraída na vivência deste projeto é que a educação, sobretudo o contato com o contexto de vida diária, representa considerável ‘medicamento’ no tratamento de crianças e jovens. Este conceito vem, plenamente, ao encontro de um modelo biomédico de integralidade, que valoriza o escutar para entender, perceber, intuir, cuidar; jamais reduzindo o sujeito à doença. A essência é um aprendizado de encontro com o outro.

Assim como os estreitamentos da vida podem ser alargados com recursos da medicina, o Programa Classe Hospitalar crê que esses estreitamentos também podem ser dilatados por meio da pedagogia, e sobretudo através das trocas, da comunicação, da convivência e seu forte impacto. A ressaltar, o Programa é introduzido por meio de um convênio entre a Secretaria Municipal de Educação e alguns hospitais, que edificam então esse convênio, que trabalha e propicia o atendimento pedagógico, por iniciativa das Direções que têm essa visão humanizada de assistência. Embora seja previsto por lei que crianças e adolescentes tenham acompanhamento pedagógico, esse acompanhamento ainda é bem tímido em relação ao número de hospitais que o Brasil possui em sua extensão.

A interface entre educação e saúde

Há alguns estudos que hoje evidenciam a importância da interface entre educação e saúde, e os impactos positivos na saúde – física e mental – de crianças e jovens internados. Para maior sedimentação deste tema, é fundamental que os profissionais, tanto do Curso de Pedagogia como também os profissionais da Saúde, desenvolvam alternativas de socialização do conhecimento desses estudos, divulgando-os, publicando-os, ampliando os desdobramentos e aprofundamentos dessa investigação.

Documentos oficiais sobre atendimento escolar hospitalar mostram que esta modalidade de ensino tem como objetivos: – Dar continuidade aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem do aluno hospitalizado; – Desenvolver currículos flexibilizados; – Contribuir para o retorno e reintegração da criança a seu grupo escolar; – Facilitar o acesso da criança sem escolaridade à escola regular.

A pedagoga Elisabeth Leitão Ramos, uma das coordenadoras do Programa no Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro, ressalta: “Neste processo, existe um currículo bem maior, que é a evolução da criança. Obviamente que o trabalho pedagógico na Classe Hospitalar requer singularidades, a construção é permeada pela equipe de saúde, dando a segurança necessária caso a caso. Mas não há um mergulho na doença. Buscamos a socialização destas crianças e jovens, procuramos despertar suas potencialidades, intuímos e projetamos um futuro escolar brilhante. Esta visão humanizada é imprescindível. O professor precisa ter sensibilidade, vocação e fascínio pelas descobertas que advém dessa experiência com as crianças internadas. Em todos os momentos, buscamos vivenciar um olhar de saúde, de ânimo, de perspectiva de melhora. E as crianças que acolhemos são muito espontâneas. Com toda certeza, afirmamos: nós, profissionais, é que somos acolhidos”.

Aportando alternativas

Um pouco de história…. Como começou este processo e, especificamente, o início no Hospital Municipal Jesus? Sabe-se que não é um fato recente na história da educação. Alguns autores da área afirmam que a sua origem remonta do início do século XX, na França. Aqui no Brasil, iniciou-se em 1950, no próprio Hospital Municipal Jesus, quando o então Diretor da Unidade, preocupado com o tempo em que as crianças permaneciam internadas, à época sobretudo acometidas de poliomielite, buscou alternativas para que elas pudessem ter acesso a algum tipo de ensino e aprendizagem. Então teve a iniciativa em desenvolver este programa. Porém, há registros que em 1600, ainda no Brasil Colônia, havia atendimento escolar aos deficientes físicos na Santa Casa de Misericórdia em São Paulo.

Ontem como hoje, por certo, sensibilidade, boa vontade e criatividade têm de andar de mãos dadas neste processo. Hoje o Hospital Municipal Jesus conta com uma estrutura com espaço físico que permite as aulas, mas, no geral, sabemos, o ambiente hospitalar não foi concebido considerando a existência de uma escola como parte de seu espaço físico. Assim, o professor precisa usar potencialmente a criatividade, considerar diversas possibilidades e aportar alternativas para que se tenha um local minimamente adequado para o trabalho escolar com os alunos hospitalizados. Um olhar aguçado e um bom planejamento são ferramentas essenciais para o desenvolvimento das atividades.

Há hospitais que disponibilizam salas que são adaptadas no horário da aula. O uso da estrutura da enfermaria como espaço escolar tem sido uma opção para muitos professores quando o hospital não dispõe de espaço físico para a sala de aula funcionar de modo exclusivo ou adaptado. Muitas vezes são aproveitados espaços ociosos do hospital como, por exemplo, um corredor mais largo, onde o professor monta e desmonta diariamente o ambiente escolar para o atendimento dos alunos. Há também situações em que, seja por falta de espaço adequado, seja pela condição clínica da criança, o atendimento escolar é feito no próprio leito do doente. São muitos os casos, especificidades, e então essas ‘unidades de ensino’, que são as classes hospitalares, precisam estar atentas às singularidades.

Enfim, neste campo há que lançar-se mão, em todos os momentos, de sensibilidade, criatividade, paciência e perseverança. “Impreterivelmente a segurança da criança, e seu tratamento íntegro, precisam ser assegurados. O trabalho pedagógico precisa estar sempre compromissado com esta segurança. Estudando caso a caso, vamos sempre em busca da evolução da criança”, complementa a pedagoga Elisabeth Leitão Ramos.

Débora Angeli é pediatra e diretora de divisão médica do Hospital Municipal Jesus e corrobora as palavras da pedagoga: “A avaliação caso a caso, a percepção e análise da condição clínica de cada criança, por exemplo, àquelas acometidas de questões infecciosas há que termos o que chamamos de ‘precaução do contatado’, enfim, são imprescindíveis cuidados singulares e as adaptabilidades que se fizerem necessárias. Mas o que comprovamos, na prática, são os efeitos extremamente benéficos que são gerados com a manutenção da escola na vida da criança internada”.

A pediatra explica que a concepção vai muito além do que comumente entendemos por escola. As crianças internadas dão a escola e ao aprendizado um lugar de eleição. Fazem questão de estarem inseridas no processo. A convivência, ressalta, gera um impacto muito forte, reverberando muito positivamente na saúde das crianças. “A Classe Hospitalar vem evidenciando que não existe saúde dissociada de educação. Eu, particularmente, não acredito em tratamento em saúde sem convivência, sem troca e sem a presença de uma boa comunicação”, conclui Débora Angeli.

Por certo, há que desenvolvermos, para a efetivação do SUS, uma arena de conversa – constante – que junte os conhecimentos, ajudando pessoas que hoje tenham estreitamentos a reduzirem estreitamentos futuros. E essa troca e construção de saberes, a atuação interdisciplinar e a identificação das necessidades, desejos e interesses dos sujeitos certamente contribuem, e hão de contribuir sempre, na efetivação e no processo de humanização do SUS.

O Programa Classe Hospitalar nos mostra que, quando mobilizada, uma equipe interdisciplinar em prol dos cuidados em saúde é capaz de transformar realidades, transformando-se a si próprios (cada profissional) nesse mesmo processo. O Classe Hospitalar no Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro, e, certamente, em todos os hospitais onde ele se faz presente, nos evidencia que direito a um trabalho pedagógico de boa qualidade em hospital nasce atrelado ao movimento de humanização.

O Programa adentra a um ambiente antes tomado pela dor, medos e desesperança. Trazendo a sala de aula para a enfermaria, joga luz e modifica não só a ambiência, mas sobretudo a saúde integral do indivíduo, restituindo-lhe ânimo e esperança. O amor e comprometimento dos profissionais envolvidos e efetivação da troca com as crianças e adolescentes assistidos traz uma nova perspectiva de futuro, com olhar de saúde e desenvolvimento de potencialidades. Por certo, o processo de humanização do SUS passa, impreterivelmente, pelo processo de humanização de cada um de nós.

*Felipe Jannuzzi – Jornalista, Especialista em Comunicação e Saúde. Editor executivo da Revista Adolescência & Saúde, periódico científico oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ). Colaborador da BVS Adolec. E-mail: felipejannuzzi1@gmail.com